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Entenda como a compra da Warner pela Netflix pode estremecer Hollywood

Entenda como a compra da Warner pela Netflix pode estremecer Hollywood

A Netflix anunciou ontem a compra do estúdio da Warner Bros Discovery e seu serviço de streaming (HBO Max) em um negócio de US$ 82,7 bilhões, incluindo a dívida, que já causa fortes reações no mercado de mídia e na indústria do cinema. A operação só deve ser concluída depois que a Warner separar em outra empresa sua unidade de TV a cabo, com canais como CNN, TNT e Discovery, o que deve ocorrer até o terceiro trimestre de 2026. A operação depende do aval de órgãos reguladores, é visto com reservas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, e é alvo de críticas de roteiristas e cineastas.

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A Netflix é o maior serviço de streaming pago do mundo, com mais de 300 milhões de assinantes. A HBO Max tem 128 milhões. A união criaria um colosso com maior poder de negociação com donos de cinemas e sindicatos da indústria do entretenimento.

A aquisição é vista como uma espécie de triunfo do novo audiovisual — impulsionado por arrasa-quarteirões do sofá da sala como “Guerreiras do K-Pop” — sobre o charme da antiga Hollywood: nos estúdios da Warner Bros foram filmados clássicos como “Casablanca” e “O Iluminado”, entre outros.

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Mas o interesse da Netflix vai muito além das memórias de um estúdio com mais de cem anos de história. A Warner traz franquias de sucesso como DC Comics (Superman e Batman), Harry Potter, além de hits globais da HBO como “Game of Thrones”, “Euphoria”, “The Last of Us” e “The White Lotus”.

Especialistas lembram que há sobreposição de usuários, o que pode impactar as receitas futuras. Mas, para o consultor Jorge Paes e professor de Comunicação da PUC-SP, o objetivo principal é dar à Netflix acesso a conteúdo premium.

Plataformas de streaming — Foto: Criação O Globo

— Embora a Netflix seja forte com séries, ainda tem presença tímida nos cinemas com algumas produções que concorreram e ganharam o Oscar. Agora, a plataforma passa a ter presença mais forte — disse Paes. — Ela deixa de ser uma empresa de streaming para se tornar empresa de mídia e entretenimento, podendo criar novas produções e gerar mais receitas com licenciamentos e jogos.

Segundo Anderson Viana Lago, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, a Warner vem perdendo espaço com a queda da TV linear, que representa 42% da receita total do grupo.

Para ele, há o temor de que se repitam os erros estratégicos dos anos 2000, quando a Warner se juntou à AOL, ao unir mídia tradicional e internet em um negócio considerado um dos piores, por envolver culturas diferentes, sinergias que não ocorreram e valores altos em um momento marcado pela bolha das pontocom.

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Segundo o analista Jesper Rhode, sócio da consultoria Tr4nsform.com, a Netflix tem cerca de 36 mil horas de conteúdo em seu acervo, volume pequeno comparado ao YouTube, que recebe esse mesmo volume a cada 70 minutos. Para ele, esse dado ajuda a ilustrar que a estratégia da Netflix não é competir em quantidade, e sim em qualidade:

— A compra do acervo da Warner representa um movimento essencial, de ter um conteúdo mais elaborado e profundo, que a Netflix não tem de forma nativa. Produções da HBO como “The Sopranos”, “Succession” e outras séries icônicas entram nessa categoria.

Hoje, lembra ele, a Netflix tinha acesso a alguns desses conteúdos apenas por meio de licenciamento, em janelas limitadas. Agora, tudo passa a fazer parte permanente do portfólio, permitindo que a empresa explore o acervo com mais profundidade.

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Victor Azevedo, coordenador de Publicidade e Propaganda no Ibmec-RJ, o movimento pode desencadear uma onda de fusões no setor:

— A Disney vai se movimentar em relação a isso e a Paramount também. O que pode acontecer é outras produtoras tirarem o restante do conteúdo disponível na Netflix e cada estúdio ficar com seu próprio streaming e catálogo.

A proposta da Netflix chamou atenção em parte porque incluía a promessa de manter os lançamentos nos cinemas para os filmes da Warner Bros. Discovery. Isso significa uma mudança relevante para a Netflix, que até agora evitou apostar no desempenho das bilheterias.

Ainda assim, roteiristas, produtores e diretores de cinema temem o impacto do negócio para a indústria. A Warner representa cerca de 25% da venda de ingressos de cinema na América do Norte, cerca de US$ 2 bilhões.

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Um grupo de produtores de longa-metragem enviou carta ao Congresso com “graves preocupações” sobre a compra. “A Netflix considera qualquer tempo gasto assistindo a um filme no cinema como tempo que não é gasto em sua plataforma”, dizia a carta, segundo o New York Times. “Eles não têm incentivo para apoiar as exibições nos cinemas e têm todo o incentivo para eliminá-las.” O Sindicato dos Roteiristas da América defende que a compra seja bloqueada.

“A maior empresa de streaming do mundo engolindo uma de suas maiores concorrentes é exatamente o tipo de situação que as leis antitruste foram criadas para impedir”, disse o sindicato.

James Cameron, diretor de sucessos como Titanic e Avatar, disse que a operação “seria um desastre”. A atriz e vencedora do Oscar Jane Fonda, estrela da série “Grace e Frankie”, da Netflix, escreveu contra o negócio: “Consolidação nesta escala seria catastrófico para uma indústria construída sobre a liberdade de expressão, para os trabalhadores criativos que a sustentam e para os consumidores que dependem de um ecossistema de mídia livre e independente para compreender o mundo”.

Segundo o Itaú, as duas empresas teriam economia de custos de US$ 2,5 bilhões a partir do terceiro ano. “A Netflix tem histórico excelente de alocação de capital e disciplina financeira, mas o nível de alavancagem, as sinergias e a aprovação antitruste são preocupantes”, afirmou o banco em relatório. Ontem, as ações da Netflix caíram quase 3%, e as da Warner subiram 6%.

De acordo com a Bloomberg, a oferta de compra representa a maior aquisição em valor este ano. E para concluir o negócio, a Netflix contaria com empréstimo de US$ 59 bilhões, que figura entre os maiores do tipo.

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“Em um mundo onde as pessoas têm tantas escolhas, mais do que nunca, sobre como passar seu tempo, não podemos ficar parados”, disse Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, em teleconferência, segundo o New York Times. “Precisamos continuar inovando e investindo em histórias que importam para o público, e é disso que trata este acordo. A combinação da Netflix com a Warner Bros. cria uma Netflix melhor para o longo prazo.”

A Netflix desbancou a Paramount, que vinha tentando selar a compra da Warner em um modelo que incluía também a TV a cabo. A Paramount deve avaliar os próximos passos, o que pode incluir aquisições. A Comcast também ensaiava tentativa de aquisição.

Segundo o Wall Street Journal, o negócio deve ser investigado pelo Departamento de Justiça, que vai avaliar como a operação pode reforçar a dominância da Netflix na indústria de mídia. E deve levar em conta a avaliação de Trump, que é próximo do bilionário David Ellison, da Paramount. Fontes do governo afirmaram ao jornal que conselheiros de Trump estão preocupados com a operação.

Sucessos, franquias e hits

Os atores Daniel Radcliffe (à direita) e  Rupert Grint (esq) em "Harry Potter e a pedra filosofal" — Foto: Divulgação
Os atores Daniel Radcliffe (à direita) e Rupert Grint (esq) em “Harry Potter e a pedra filosofal” — Foto: Divulgação

Com a compra do estúdio e do streaming da Warner, a Netflix terá acesso a conteúdo como o dos filmes da saga Harry Potter. A trajetória do bruxo na escola de Hogwarts será tema de série com estreia em 2026 ou 2027.

Gal Gadot em Mulher-Maravilha (2017), de Patty Jenkins — Foto: Clay Enos / Warner Bros
Gal Gadot em Mulher-Maravilha (2017), de Patty Jenkins — Foto: Clay Enos / Warner Bros

A editora de quadrinhos traz para o catálogo da Netflix o universo de heróis como Batman, Super-Homem, Mulher Maravilha e Liga da Justiça. Nos últimos anos, a Warner tem apostado em filmes da franquia.

Jon Snow (Kit Harington) em 'Game of thrones' — Foto: HBO/Divulgação
Jon Snow (Kit Harington) em ‘Game of thrones’ — Foto: HBO/Divulgação

Sucessos da HBO como “Game of Thrones”, “A Casa do Dragão” e “O Cavaleiro dos Sete Reinos” entram no rol da Netflix. Outros hits previstos incluem as séries “The Last of Us”, “Euphoria” e “The White Lotus”.

Caio Rocha

Sou Caio Rocha, redator especializado em Tecnologia da Informação, com formação em Ciência da Computação. Escrevo sobre inovação, segurança digital, software e tendências do setor. Minha missão é traduzir o universo tech em uma linguagem acessível, ajudando pessoas e empresas a entenderem e aproveitarem o poder da tecnologia no dia a dia.

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