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As milionárias transações entre Ambipar e Master enquanto ações explodiam na Bolsa

As milionárias transações entre Ambipar e Master enquanto ações explodiam na Bolsa

As transações entre Ambipar e Master ocorreram em setembro de 2024. Naquele mês, o fundo de investimento Máxima Multimercado Crédito Privado 2 — que fazia parte do conglomerado do Master — emprestou R$ 708,4 milhões a uma empresa chamada Everest Participações e Empreendimentos SA. O nome parece nada ter a ver com a Ambipar, mas a empresa foi listada na recuperação judicial da companhia como parte do conglomerado e tem entre seus administradores Guilherme Borlenghi, filho de Tércio, e Luciana Freire Barca Nascimento, diretora-adjunta da Ambipar.

A digital deixada pelo empréstimo é a carteira do fundo Máxima 2, que pode ser consultada na plataforma da CVM. Nos registros, a transação é descrita como um aporte do fundo em “títulos ligados ao agronegócio” emitidos em nome da Everest, com vencimento dali a dois anos.

Carteira do fundo Máxima 2, em setembro de 2024, com mais de R$ 700 milhões em títulos da Everest, uma subsidiária da Ambipar — Foto: Reprodução/Plataforma da CVM

Naquele mesmo mês, outras duas operações paralelas ocorreram. A Everest fez uma alienação fiduciária de cotas de um fundo chamado Decarbon (hoje Osaka), avaliadas em valor similar ao do empréstimo — R$ 700 milhões —, ao próprio fundo Máxima. O contrato afirmava que os recursos levantados por meio das “notas comerciais (emitidas pela Everest) serão destinados (…) para aquisição de cotas do fundo Decarbon.” Na mesma data, o fundador da Ambipar, Tércio Borlenghi Junior, alienou ações da Everest ao mesmo fundo Máxima Crédito Privado 2. A coluna teve acesso aos dois contratos de alienação fiduciária, registrados em 3 de setembro de 2024.

Ou seja: a Ambipar, por meio da Everest, tomou um empréstimo da ordem de R$ 700 milhões junto ao fundo do Master com o objetivo de investir no fundo Decarbon. Já o fundo do Master recebeu como garantias ações da própria Everest, que lhe devia dinheiro, e cotas do Decarbon.

Outro fundo ligado ao Master

Acontece que esse fundo Decarbon apresenta indícios claros de relação com o próprio conglomerado do Master. O fundo é administrado pela Banvox, de Maurício Quadrado, que à época era um dos principais sócios do Master. A gestão era da Blue Solutions, que, segundo relatório da área técnica da CVM, é sucessora da M Asset e tem entre seus sócios o FIP Jaguar, que investia em outras empresas do grupo Master, entre elas a Planner, de Quadrado.

No dia em que a Everest assinou os contratos com o fundo Máxima, o fundo Decarbon recebeu um aporte de R$ 700 milhões, de acordo com os dados diários prestados à CVM. Não é possível saber quem eram os cotistas do veículo por questão de sigilo, mas a data é a mesma: 3 de setembro de 2024. O aporte catapultou o patrimônio do fundo, que era de apenas R$ 200 milhões até então.

Ao mesmo tempo, aparece na carteira do Decarbon, em setembro de 2024, exatamente R$ 700 milhões em “títulos de crédito privado” emitidos pela Lormont Participações, do empresário Nelson Tanure.

(A coluna citou o fundo Lormont Participações na semana passada, em matéria sobre como o colapso do Master virou munição de fundo da XP contra Tanure. A reportagem menciona acusações de um fundo da XP segundo as quais o Máxima 2 aplicou em várias empresas investidas por Tanure. À coluna, ele negou veementemente “qualquer participação societária, influência ou vínculo com o Banco Master”.)

Praticamente todo o restante do patrimônio do fundo Decarbon estava aplicado em títulos da MDSV Participações, que pertence a Maurício Quadrado. Naquela mesma semana, Quadrado estava vendendo sua participação no Master, deixando a instituição com Daniel Vorcaro e Augusto Lima, de acordo com notícias publicadas à época.

Toda essa frenética sucessão de operações coincide com a conclusão de um negócio iniciado em março daquele ano e no qual Ambipar, Master e Tanure, segundo a CVM, tiveram envolvimento coordenado e direto: a privatização da Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia).

A investigação da CVM afirma que, depois que um fundo de Tanure — o Phoenix FIP — foi declarado vencedor do leilão, desencadeou-se uma sequência de transações que fez as ações da Ambipar dispararem 863% na Bolsa apenas entre o fim de maio e 19 de agosto de 2024. De acordo com a área técnica do órgão, fundos da distribuidora de títulos Trustee, de Maurício Quadrado, foram o braço do Master no arranjo.

“A Trustee (por meio dos fundos) atuou em conjunto com o Sr. Tércio (controlador da Ambipar) no âmbito das aquisições de ações de emissão da companhia ocorridas entre junho e agosto de 2024, uma vez que tais aquisições teriam sido engendradas a partir do início do processo de privatização da Emae, sendo essas ações adquiridas posteriormente utilizadas como garantia no financiamento da aquisição daquela companhia”, resume ata da diretoria da CVM sobre a investigação, acrescentando:

“O que demonstraria um movimento orquestrado pelas partes no intuito de elevar as cotações das ações da Ambipar, favorecendo a constituição da garantia na aquisição da Emae, em benefício de Nelson Tanure, e alavancando o patrimônio de Tércio, como detentor da maior parte do capital social da companhia.”

A data de 3 de setembro de 2024 parece ter sido mesmo crucial para toda essa engrenagem. Além de ter sido o dia em que a Ambipar tomou R$ 700 milhões junto a um fundo do Master e aplicou tudo em cotas de outro fundo relacionado ao mesmo grupo, foi exatamente naquela data que as cotas do Esna FIP — um dos fundos que vinham comprando ações da Ambipar de forma acelerada — foram transferidas do Banco Master para Tanure. Segundo a investigação da CVM, a transferência foi feita com preço 40% abaixo do valor de mercado das ações da Ambipar.

Também parecem ter sido emitidos em 3 de setembro de 2024 os R$ 700 milhões em títulos da Lormont Participações que aparecem na carteira do fundo Decarbon. (O vencimento do título é 3 de setembro de 2027.) Lembrando que foi naquela data que a Everest, da Ambipar, aportou a mesma quantia no veículo ligado ao Master.

Relatório da CVM que traça a cronologia de transações que levaram à explosão de ações da Ambipar — Foto: Reprodução/Plataforma da CVM
Relatório da CVM que traça a cronologia de transações que levaram à explosão de ações da Ambipar — Foto: Reprodução/Plataforma da CVM

Toda essa orquestração levou a área técnica da CVM a pedir a realização de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA), que obrigaria esses investidores a oferecer aos minoritários condições similares de preço para vender suas ações. Potencialmente bilionária, a operação caminhava para sair do papel com votos favoráveis do presidente da CVM e da diretora Marina Copola, que entendiam que apenas Tércio Borlenghi Junior deveria pagar a conta.

Só que, menos de um mês depois, o presidente do órgão, João Pedro Nascimento, renunciou por razões até agora pouco claras. O diretor Otto Lobo, que havia pedido vistas do processo, assumiu a presidência interina e, em um verdadeiro cavalo de pau, conseguiu barrar a realização da OPA alegando que agora comandava o colegiado e seu voto valeria por dois — mesmo que um presidente da CVM já tivesse votado no caso. A decisão revoltou a área técnica da CVM, que pede que o caso seja reconsiderado, mas Lobo até agora não voltou a pautá-lo.

Desde então, a Ambipar pediu recuperação judicial, o Master foi liquidado e Tanure perdeu a Emae — um fundo da XP executou as garantias de uma dívida emitida pelo empresário para fechar o pagamento e, na sequência, vendeu a participação à Sabesp. Tanure tenta desfazer a execução na Justiça.

Procurada pela coluna, a Ambipar disse que “não tem conhecimento sobre o assunto”, embora as fontes consultadas para esta reportagem sejam públicas. Tanure, por sua vez, tem refutado qualquer “tentativa de associá-lo aos procedimentos administrativos e penais do Banco Master”, como afirmou à coluna nos últimos dias, por ocasião das acusações de um fundo da XP contra ele.

Caio Rocha

Sou Caio Rocha, redator especializado em Tecnologia da Informação, com formação em Ciência da Computação. Escrevo sobre inovação, segurança digital, software e tendências do setor. Minha missão é traduzir o universo tech em uma linguagem acessível, ajudando pessoas e empresas a entenderem e aproveitarem o poder da tecnologia no dia a dia.

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