hora de enfrentar a interseção entre mudanças no clima e conflitos
» NICOLAS OLIVIER, Chefe da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai
O aumento das temperaturas globais — impulsionado pela atividade humana — alimenta enchentes devastadoras, secas prolongadas e tempestades mais intensas. Esse não é um cenário distante, mas uma realidade atual. Mais de 3 bilhões de pessoas vivem em áreas altamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, segundo um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 2023. Ainda assim, apesar de anos de negociações e promessas políticas, os esforços para manter o aquecimento global bem abaixo de 2°C — idealmente limitado a 1,5°C, como previsto no Acordo de Paris de 2015 — estão muito aquém do necessário.
Entre os mais afetados, estão as comunidades que enfrentam conflitos armados em países como Somália, Afeganistão e Sudão. Anos de violência corroeram as instituições públicas, devastaram a infraestrutura e tornaram os serviços essenciais escassos. Quando os eventos climáticos extremos ocorrem, o resultado é catastrófico. A insegurança alimentar se aprofunda, o deslocamento aumenta e o frágil tecido da vida cotidiana se desfaz. Quase metade dos 122 milhões de pessoas deslocadas no mundo vive hoje em áreas que enfrentam, ao mesmo tempo, conflitos armados e graves riscos climáticos.
Em toda a América Latina, a interseção entre mudança climática e violência armada torna-se cada vez mais evidente. Na Colômbia, comunidades rurais onde o conflito armado ainda persiste sofrem com enchentes e deslizamentos de terra, enquanto a presença de grupos armados dificulta a entrega de ajuda e os esforços de reassentamento. No Haiti, o colapso político, o controle de grupos armados, os desastres naturais recorrentes deixaram milhares de pessoas deslocadas e sem acesso a serviços básicos.
Por isso, na COP30, é essencial garantir que as ações e o financiamento climático também cheguem às populações que vivem em contextos de conflito armado. A comunidade internacional começou a reconhecer essa interseção, mas o reconhecimento, por si só, não basta. O que importa agora é transformar compromissos em ações.
Primeiro, os governos devem reafirmar um compromisso político ambicioso para reduzir as emissões. Cada fração de grau faz diferença, especialmente para as pessoas cuja resiliência está no limite. A trajetória atual não apenas agravará os desastres, mas multiplicará as crises humanitárias em regiões marcadas por conflitos.
Segundo, os tomadores de decisão precisam reconhecer, oficialmente, a vulnerabilidade dos países e das comunidades afetadas por conflitos armados. O fato dessas populações não terem acesso ao financiamento climático é uma lacuna a ser corrigida. O reconhecimento formal nas decisões finais da COP30 permitiria financiamento direcionado e medidas práticas onde elas são mais urgentes.
Terceiro, o mundo precisa fortalecer a ação climática e o financiamento em contextos frágeis. O financiamento climático, inclusive para adaptação e para perdas e danos, deve ser suficiente, flexível e acessível aos países afetados por conflitos armados. As barreiras burocráticas complexas muitas vezes impedem que os recursos cheguem às pessoas. Devem ser criados mecanismos para apoiar os atores locais e nacionais que atuam em circunstâncias difíceis, onde a emergência climática se cruza com as necessidades humanitárias.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) testemunha como os impactos das mudanças climáticas agravam o sofrimento de quem vive em meio a conflitos armados e outras situações de violência. Nossas equipes em lugares como Iêmen, Mali e Gaza veem comunidades presas entre a violência dos conflitos armados e a violência lenta e implacável da degradação ambiental.
A COP30, realizada em Belém (PA), oferece uma oportunidade para chamar a atenção do mundo para essas realidades. Nesta segunda, o CICV participará do evento paralelo “Ampliando a Ação Climática em Contextos de Conflito”, reunindo líderes globais para discutir como tornar o financiamento climático mais inclusivo.
Se queremos levar a sério a justiça climática, não podemos abandonar essas pessoas. Reduzir emissões é vital, assim como construir resiliência nos lugares onde os conflitos armados e os eventos climáticos extremos se encontram. As consequências humanitárias da inação serão mais fome, deslocamento e instabilidade.
A crise climática é um desafio global, mas seus impactos são profundamente desiguais. Garantir que a ação climática alcance quem vive em meio a conflitos armados não é apenas uma questão de justiça — é uma questão de humanidade.


