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Sonhos de Trem é obra-prima sobre memória, dor e humanidade

Sonhos de Trem é obra-prima sobre memória, dor e humanidade

Poucos filmes conseguem transmitir a sensação de que estamos vivendo uma vida inteira ao lado de um personagem, compreendendo sua alma, sua humanidade e suas contradições. Sonhos de Trem é um desses raros casos: um longa de beleza arrebatadora, que deixa o espectador imobilizado na cadeira, refletindo sobre a história que acabou de ver – e sobre a própria vida.

No segundo longa-metragem de Clint Bentley, acompanhamos uma narrativa monumental sobre um homem comum no início do século XX nos Estados Unidos. Uma vida simples, sem grandes adornos, mas que atinge o coração do público com uma força que poucos filmes deste ano conseguem.

Sonhos de Trem é um retrato poderoso da vida de um homem no início do século XX

Sonhos de Trem acompanha Robert Grainier (Joel Edgerton), um homem quieto que vive em Idaho no início do século passado. Ele trabalha derrubando árvores, mudando de cidade conforme o trabalho aparece, cercado de estranhos tão silenciosos quanto ele.

Em uma dessas jornadas, Robert aceita um emprego na construção de uma ferrovia – uma decisão que o perseguirá para sempre, depois de testemunhar o assassinato de um imigrante chinês sem conseguir impedi-lo. Esse momento traumático passa a ser um fantasma em sua vida, levando-o a questionar se está sendo punido por sua incapacidade de salvar o homem.

Durante uma pausa no trabalho, Robert conhece Gladys (Felicity Jones). Eles se apaixonam rapidamente e se casam poucos meses depois. Robert constrói uma casa para ela e os dois iniciam uma vida feliz, que inclui o nascimento de uma filha. Mas, enquanto continua arriscando a vida em trabalhos perigosos, Robert teme perder os momentos ao lado da família e que sua filha cresça sem sua presença.

Como protagonista silencioso, Robert tem sua história narrada por uma voz em off calorosa e experiente de Will Patton. A narração nunca se sobrepõe ao filme, soa como alguém nos lendo a história de uma vida. Ela amplia a grandiosidade do longa, revelando nuances que Robert jamais diria em voz alta.

Um filme visualmente e emocionalmente deslumbrante

A forma como a vida de Robert é apresentada é de tirar o fôlego. Cena após cena, a fotografia de Adolpho Veloso e a direção de Bentley constroem quadros de uma beleza esmagadora. Cabines iluminadas à vela, florestas densas, noites profundas que realçam a solidão: tudo lembra o cinema de Terrence Malick, capaz de tornar o cotidiano grandioso. Somado a isso, a trilha sonora de Bryce Dessner intensifica a emoção de cada cena – especialmente nas sequências finais, que transformam momentos simples em algo monumental.

Apesar do visual arrebatador, é o roteiro de Bentley e Greg Kwedar que eleva o filme. A história é contada como um álbum de memórias fragmentadas, saltando no tempo para amplificar emoções. Logo após Robert testemunhar o assassinato do imigrante, por exemplo, o filme avança alguns anos, mostrando que uma rodovia foi construída ao lado dos trilhos, tornando aquele trabalho (e aquela violência) ainda mais sem sentido. No fim, sentimos que vivemos a vida de Robert ao longo do filme, o que torna sua jornada especialmente tocante.

Joel Edgerton e Felicity Jones entregam algumas das melhores atuações de suas carreiras

Bentley prova ser um diretor magistral de atores, permitindo que cenas respirem e que interpretações floresçam. Joel Edgerton entrega sua melhor performance até agora: carregada de dor, arrependimento e solidão. Ele transmite muito dizendo pouco, mesmo sem a narração de Patton, seria possível sentir cada fragmento da vida de Robert. Felicity Jones também está excelente, trazendo calor e profundidade a Gladys, e mostrando, em gestos sutis, o peso da ausência do marido.

O elenco de coadjuvantes também brilha: William H. Macy é cativante como Peeples, enquanto Kerry Condon, em pouco tempo de tela, oferece a Robert a esperança de que ele mais precisa.

Um filme sobre vidas humildes – e a marca que elas deixam no mundo

Embora conte a história de um homem comum, Sonhos de Trem é também uma homenagem aos trabalhadores que moldaram, muitas vezes anonimamente, a América do século XX. Um personagem comenta que uma árvore morta é tão importante quanto uma viva – e o filme abraça essa ideia, mostrando que até as vidas mais silenciosas deixam suas marcas.

Sonhos de Trem retrata nossas dores e os momentos que nos quebram, mas também celebra a beleza inesperada que encontramos pelo caminho. É um dos filmes mais extraordinários do ano, daqueles que permanecem conosco, na mente e no coração, muito depois do término dos créditos.

Sonhos de Trem está disponível na Netflix.

Nota: 4,5 / 5

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Caio Rocha

Sou Caio Rocha, redator especializado em Tecnologia da Informação, com formação em Ciência da Computação. Escrevo sobre inovação, segurança digital, software e tendências do setor. Minha missão é traduzir o universo tech em uma linguagem acessível, ajudando pessoas e empresas a entenderem e aproveitarem o poder da tecnologia no dia a dia.

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