Abel Ferreira e Filipe Luís abrem série sobre a final
“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Esse era o lema do Cinema Novo, popularizada pelo cineasta Glauber Rocha (1930-1981). Adaptável a uma outra arte: o futebol. Roteiristas da final única de sábado, em cartaz às 18h no Estádio Monumental, em Lima, no Peru, os criativos técnicos de Palmeiras e Flamengo abrem a série Glória Eterna do Correio Braziliense sobre os indicados a premiar o clube paulista ou carioca com o “Oscar” de melhor filme na Libertadores em 2025.
Em vez de uma câmera, o português Abel Ferreira e o catarinense de Jaraguá do Sul, Filipe Luís, ostentam uma prancheta na mão e ideias táticas na cabeça na produção da decisão continental mais esperada desde 2018, quando o River Plate superou o arquirrival Boca Juniors.
Aos 46 anos, Abel Fernando Moreira Ferreira pode igualar Osvaldo Zubeldía em títulos. O histórico técnico do Estudiantes ganhou três em 1968, 1969 e 1970. O recordista é o argentino Carlos Bianchi com quatro. O lusitano coleciona dois pelo Palmeiras.
Abel Ferreira tem um orgulho. “Poucos sabem, mas sou licenciado em educação física. Poderiam me chamar de professor Abel”. Uma história construída na vida acadêmica em Portugal.
A testemunha ocular da história chama-se João Nuno Ferreira Gonçalves Azevedo. Ele era o diretor interino no Instituto Superior de Ciências Educativas, em Felgueiras, uma cidade com pouco mais de 58 mil habitantes no distrito do Porto, quando o universitário Abel se dividia entre o futebol e educação física.
“Ele jogava no Penafiel. Um homem muito trabalhador, educado e dócil. Treinava como profissional, mas estava sempre preocupado com os estudos. Uma pessoa humilde, discreta e respeitosa”, descreve Nuno em entrevista ao Correio Braziliense. “O Abel Ferreira é mesmo professor. Não é só de marca, é de profissão”, atesta o decano.
Nuno e Abel trocam mensagens com frequência. “Os olhos dele falam. É muito preparado nas relações com os colegas e jogadores. Eu notei uma evolução incrível. Foi se preparando ao longo do tempo para ser um formador de homens. Tem grande determinação e capacidade de se comunicar bem. Sou adepto incondicional do Palmeiras por causa do Abel Ferreira. Enquanto ele estiver lá, só Palmeiras”, avisa o amigo do treinador mais vitorioso do clube com 10 troféus.
A inspiração de Abel é José Mourinho, de quem recebeu elogios recentemente. “O Abel Ferreira faz uma coisa que é difícil, que normalmente os treinadores não fazem, que é depois de ganhar muito é ‘hora de fugir’. E ele não tem fugido. Tem sempre continuado, em uma equipe que obviamente dá condições fantásticas”, exaltou em entrevista à SportyNet.
Filipismo
Na conquista de 2021, Abel usou como atalho tático para o título o setor esquerdo do Flamengo. O primeiro gol sai aos cinco minutos em uma trama em cima do hoje técnico Filipe Luís e de Bruno Henrique. Raphael Veiga abre o placar. Quatro ano depois, Filipe Luís Kasmirski, de 40 anos, é o dono da prancheta rubro-negra. O responsável por desvendar vulnerabilidades de um alviverde imponente.
Filipe Luís pode se tornar o segundo brasileiro a conquistar a Libertadores como jogador e técnico no mesmo clube. Bi com o Flamengo em 2019 e em 2022, igualaria Renato Gaúcho. O ex-atacante alcançou a Glória Eterna em 1983 como ponta-direita do Grêmio, e em 2017 no papel de treinador do Tricolor Gaúcho. Ele também pode igualar o feito de Paulo César Carpagiani, campeão da Libertadores em 1981 como técnico logo depois de pendurar as chuteiras com o “Manto Sagrado”. Ganhou o torneio continenal contra o Cobreloa e o Mundial de Clubes da época diante do inglês Liverpool.
Os gurus de Filipe Luís são o português Jorge Jesus e o argentino Diego Simeone, mas o início avassalador começa a se assemelhar ao de Pep Guardiola no Barcelona. O catalão ganhou LaLiga, Copa do Rei, Liga dos Campeões, Supercopa da Espanha, Supercopa da Uefa e Mundial de Clubes na estreia como profissional em 2008/2009. Em um ano no Flamengo, Filipe Luís tem uma Copa do Brasil, um Carioca e uma Supercopa Rei do Brasil. Lidera o Campeonato Brasileiro, é finalista da Libertadores e disputará a Copa Intercontinental se brindar o Flamengo com o tetracampeonato sul-americano.
A trajetória rende elogios das inspirações. “Ele tem um futuro brilhante. É um amigo grato, um grande pai de família e será um grande treinador”, profetiza Jorge Jesus em entrevista ao canal GOAT. “O caminho que está percorrendo no Flamengo é incrível. A equipe tem uma identidade definida e joga o futebol que o treinador quer”, reverencia Diego Simeone, técnico do Atlético de Madrid, em entrevista à TNT.
Depois do título continental com Jorge Jesus em 2019, Filipe Luís alcançou a Glória Eterna sob a batuta de Dorival Júnior, outro profundo conhecedor do dono da prancheta rubro-negra. “Eu o conheço há muito tempo. Ele foi meu atleta no Figueirense em 2003, 2004, no início da carreira, e depois no Flamengo, em 2022. Eu fico muito feliz de estar vendo a evolução, o crescimento de um profissional altamente preparado. Um atleta que soube aproveitar ao máxima a carreira. Ao mesmo tempo, buscou uma preparação paralela para desenvolver essa função. Vejo coisas muito boas acontecendo não somente agora, mas futuramente na vida, na carreira. Torço muito por tudo aquilo que ele represente como profissional, como homem e cidadão de bem”, elogia o comandante do Corinthians em entrevista ao Correio Braziliense.
Quatro perguntas do Correio Braziliense para…
Cléber Xavier, técnico de futebol
Era possível notar inclinação do Filipe Luís a se tornar técnico quando você trabalhou com ele tanto como auxiliar do Tite na Seleção como no Flamengo?
Eu e o Tite sempre falamos, desde que começamos a trabalhar junto, sobre a diferença entre impressão e conceito. Quando você começa a trabalhar com um atleta, começa a formar um conceito sobre ele. Nós começamos a trabalhar com o Filipe pela primeira vez na Seleção, quando o convocamos. Acompanhando, visitando no Atlético de Madrid, na passagem pelo Chelsea, um jogador diferente, acima da média, com leitura refinada tecnicamente, inteligente para tomar decisão, um lateral de característica específica de construção, experiente para definir posicionamento defensivo.
Vocês conseguiam notar no Flamengo uma inclinação para alguma escola na época em que ele anunciou a aposentadoria e iniciou a carreira nas divisões de base do clube?
Ele teve uma escola com um grande treinador, que é o Diego Simeone, e o Simeone tem uma vantagem importante: a continuidade no clube. Quando você fica muito tempo no clube consegue desenvolver os atletas, a equipe, a sua maneira de jogar. O Simeone é onde ele se mirou, aprendeu muito, trouxe crescimento na carreira como treinador.
Vê semelhanças entre quem era o Filipe Luís como jogador e quem é como técnico?
Um grande atleta, de altíssimo nível, anos de Europa, que se preparou para ser treinador, fez curso da CBF, estudou de várias maneiras, montou uma comissão técnica com um auxiliar espanhol que está com ele há um tempo, começou de uma maneira legal, que foi na base do Flamengo, em casa, com os meninos, e ele tem, como todo treinador, a forma dele de jogar, impor o jogo, a rotina e a metodologia de treinamento. Ele tem forma de gestão bem definida, bem clara, um cara muito centrado, inteligente, com uma liderança natural. Ele tem tudo isso como treinador. Por isso está conseguindo esses resultados importantes à frente do Flamengo. Rapidamente conseguiu títulos na base como no profissional.
O que espera dele na final da Libertadores e o que projeta na carreira do Filipe Luís?
Ele vai para dois títulos importantes. Acredito que vá conseguir o Brasileiro devido a essa vantagem de quatro pontos, embora o adversário seja o Palmeiras, um adversário pesado, e a Libertadores pela qualidade do time, pela qualidade do trabalho, tem condições de vencer. Merece tudo que está acontecendo com ele. Vejo com grande futuro como treinador não somente no Brasil, lá fora também por falar língua, por ter muito tempo de Europa, por ter trabalhado em grandes equipes, deve ser valorizado lá fora também.
Marcos Paulo Lima
Subeditor
Formado na Universidade Católica de Brasília, cobriu a Copa do Mundo (10, 14, 18 e 22); Copa América (11, 19 e 21); Copa das Confederações (2013), Champions (15), Euro-2016 e a Olimpíada do Rio-2016.


