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Ângela Diniz | Entrevista Marjorie Estiano e elenco

Ângela Diniz | Entrevista Marjorie Estiano e elenco

Depois do sucesso do podcast Praia dos Ossos, da Rádio Novelo, em 2020, o assassinato de Ângela Diniz agora tomou a forma de uma minissérie em Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, que acabou de estrear seu último episódio na HBO Max.

A produção, dirigida por Andrucha Waddington, usa o podcast como base para revisitar a história da mulher que desafiou os padrões impostos às mulheres e foi brutalmente punida por isso. Em entrevista ao Omelete, Marjorie Estiano, que assume o papel da protagonista, contou o quanto aprendeu com a história.

Acho que é justamente esse direito que a gente tem de fazer as próprias escolhas, de ser livre, de ter a vida que quiser ter. Acho que é essa bandeira da Ângela. É isso que ela enfrenta e é isso que assassina ela, né?“, ponderou a atriz. Ela embarcou na personagem com muita responsabilidade, mas o resultado foi leve.

Essa foi a personagem mais leve, mais expandida que eu já vivi na minha vida. É uma mulher que tem desejo pela vida. É uma experiência rara com as personagens femininas. Então espero que isso possa convidar outras mulheres a se libertarem das amarras. Para mim foi um exercício muito grande de libertação. Ângela é uma inspiração. Ela me deixa uma herança forte e um compromisso grande com a minha vida e com as próximas gerações“, afirmou Estiano.

Confira abaixo a entrevista completa com Marjorie Estiano (Ângela Diniz), Emilio Dantas (Doca Street), Yara de Novaes (Maria Diniz), Thiago Lacerda (Ibrahim Suede), Camila Márdila (Lulu Prado), Renata Gaspar (Gilda Rabelo), Joaquim Lopes (Tuca Mendes), Andrucha Waddington (Diretor), Renata Rezende (WBD) e Renata Brandão (Conspiração Filmes):

Omelete: Marjorie, você mesma disse que a história te impactou ao nível de começar a refletir sobre a própria vida, né? Sobre os seus próprios direitos. Quando você pensa na série, qual é a mensagem que você espera que chegue para o público que vai talvez conhecer agora, que não ouviu o podcast?

Marjorie: Eu acho que justamente sobre o direito que a gente tem de fazer as próprias escolhas, de ser livre, de ter a vida que quiser ter. Acho que é essa bandeira da Ângela. É isso que ela enfrenta. É isso que assassina ela, né? Então, acho que trazer isso enquanto um convite às mulheres e à sociedade de uma maneira geral a enxergar o quão absurdo é esse cerceamento. E eu adoraria que as pessoas pudessem alcançar. Como você falou, a responsabilidade é grande, mas acho que essa foi a personagem mais leve, mais expandida que eu já vivi na minha vida. É uma mulher que tem desejo pela vida. É muito prazeroso de viver. É uma experiência rara com as personagens femininas. Então espero que isso possa convidar outras mulheres a se libertarem das amarras. Para mim foi um exercício muito grande de libertação. Ângela é uma inspiração. Ela me deixa uma herança forte e um compromisso grande com a minha vida e com as próximas gerações.

Omelete: Como foi o primeiro contato de vocês com a história da Ângela Diniz e a preparação de cada um para o seu personagem?

Camila: Meu primeiro contato com a história da Ângela Diniz foi o podcast Praia dos Ossos. Eu acho que eu sabia muito por alto a história, ainda de forma confusa, mas o podcast realmente foi determinante em entender, inclusive, a extensão e a complexidade dessa história e o que ela representou no nosso país, com tudo que foi gerado depois, os movimentos feministas e como foi emblemático, né? Foi incrível ser convidada para a série depois, e estar contando essa história junto na transposição para uma série. E a Lulu Prado, ela é um compilado de vozes de amigas, com uma responsabilidade ali no roteiro de representar esse suporte à Ângela e essa amizade que habita tanto o ambiente da curtição, da liberdade, do desejo, das festas, quanto o ambiente da intimidade, das dores dela, das questões da vida dela. Então, para mim, como também não é uma personagem biográfica no estrito senso, foi uma composição muito de considerar o roteiro, que é lindamente escrito pela Helena, Thaís e Pedro, e que dá muito material para a gente.

Renata: Eu também, o podcast foi o primeiro contato com a história da Ângela. Eu não sabia a história e nem do movimento que teve. Eu sabia pouco sobre o feminismo no Brasil, sobre onde tudo começou. E foi interessante, porque a Gilda é uma mulher acadêmica, ela é dos estudos, ela sabe que ali ela pode ter uma chance de falar de igual para igual com o homem. Então, quando eu vi, eu falei: “Nossa, isso é tão diferente de mim. Eu sou tão do experimentar e, não sou nada de estudar.” Mas foi interessante, porque uniu as duas coisas. Minha preparação para ela foi um pouco estudando sobre o feminismo do Brasil mesmo. Foi estudando muitas coisas, história do Brasil também. Acho que isso me trouxe esse lugar de fala dela.

Joaquim: Eu também conheci a história da Ângela Diniz, mas me aprofundei mesmo no podcast, que é brilhante. E sobre a preparação, na verdade, não tem tanto material sobre o Tuca. Então, eu fiquei muito em cima mesmo do texto. Como eu acho que o Tuca idolatrava a Ângela, de alguma maneira, eu fiquei muito mais reativo ao que vinha da Ângela do que tentando impor algum tipo de personalidade, porque seria uma coisa totalmente criada da minha cabeça. 

Thiago: Eu já tinha encontrado essa história há muito tempo. Eu sou carioca, Búzios sempre foi um roteiro da minha juventude. E eu me lembro de muito cedo estar em Búzios e eu me lembro de ouvir a história do crime da Praia dos Ossos e estar na Praia dos Ossos e, na minha cabeça de garoto aos 9, aos 12 anos, aquele lugar tão lindo, tão mágico, ter sido palco de uma coisa tão horrorosa não combinava. E anos depois, eu tive um encontro pessoal com essa história quando eu encontrei o podcast. E tempos depois, o Andrucha me convidou para o personagem, para fazer o Ibrahim. Então, é uma história que já faz parte da minha memória há muito tempo de outro jeito. E, claro, eu me aprofundei no crime a partir da minha experiência com o podcast. Mas eu tenho essa lembrança por um outro lugar. 

Omelete: E qual foi o impulso para cada um de vocês, e para as suas respectivas empresas, se envolverem ali e acharem que deveriam contar essa história.

Andrucha: O nosso impulso foi de 2018 para 2019 e eu soube que a Rádio Novelo estava fazendo o podcast. Eu encontrei com a Branca por acaso na rua, eu falei: “Cara, eu queria muito ouvir.” Aí ela falou: “Passa lá no escritório da Rádio Novelo amanhã.” Aí eu fui com a Renata, a gente passou uma tarde inteira lá. E a gente saiu totalmente obcecado por conta dessa história sob o ponto de vista da Ângela, tentando ainda achar uma estrutura, mas o podcast andou, a gente fez o option já dos direitos. O podcast foi lançado. A estrutura do podcast foi a base para o nosso roteiro, né? A gente já tinha ali uma pesquisa, uma base muito sólida, documental. É um documentário sonoro, né? E a gente fez um pré-desenvolvimento, levou para a HBO, a HBO encampou o projeto. 

Renata Brandão: Esse é o tipo do projeto que a gente tem interesse genuíno, porque é uma história local que gera uma discussão absolutamente contemporânea, que revisitamos um fato acontecido no passado, mas que ainda reverbera e encontra coro nos dias atuais. E uma discussão muito importante, assim, sobre o papel da mulher e o espaço que a mulher pode ocupar. Então, a história da Ângela é uma história muito contemporânea que gera uma discussão, uma conversa que nos interessa e que a gente entende que é muito importante para os tempos atuais, também.

Renata Rezende: E a gente ficou muito impressionado com o recorte da Branca, de ir atrás das amigas e do ponto de vista das mulheres. Porque, até então, todo o ponto de vista dos recortes de jornal, dos próprios juízes, da condenação, era outro. O Doca tinha lançado um livro, falando do seu ponto de vista. Então, foi uma retratação que ela queria fazer através das amigas, através dessas mulheres, que foram as protagonistas da segunda onda do feminismo no Brasil. A narrativa que a Branca encontrou, com a Flora na Rádio Novelo, foi um ponto de vista muito único e muito sedutor para a gente de contar essa história. É uma retratação.

Omelete: E eu queria perguntar, para os homens da trama, qual é a responsabilidade que vocês sentem de interpretar papéis masculinos numa série que serve como denúncia contra o patriarcado?

Joaquim: Finalmente essa pergunta! A primeira, na verdade, porque elas estavam falando justamente isso, que, geralmente, a pergunta vinha para as mulheres. E existe essa necessidade de perguntar do homem assumir um lugar de fala que lhe pertence para falar sobre isso também. É uma responsabilidade muito grande. A gente estava falando sobre isso. E eu espero que essa série convide os homens a se falarem, a falarem sobre o tema, a falarem o que que pode ser feito ou o que que pode ser transformado, se reconhecerem nesse machismo estrutural, o que é difícil, né? Precisa coragem, como o Thiago fala, de você se reconhecer como um machista estrutural e fazer o que tiver que ser feito para se transformar e transformar quem está à sua volta também, para que as próximas gerações não tenham esse trabalho.

Thiago: É, a série é uma denúncia sobre o patriarcado, sobre como ele age e que tipo de horror ele é capaz de produzir. E, nesse sentido, sendo parte integrante desse processo, eu acho que é nosso dever não fugir da responsabilidade de fazer parte desse debate. É muito importante a gente, com um lugar de fala que cabe aos homens, estarmos presentes nessa denúncia, sabe? E, no nosso caso, como atores, a gente se dedicar a contar essa história do nosso ponto de vista de agente dessa coisa toda. 

Emílio: É incomodamente fácil, porque os exemplos continuam aí, permanecem aí. O Doca poderia ser qualquer um que tem esse privilégio. Ele foi um que puxou o gatilho em algum momento. Foi muito fácil. A responsabilidade primordial, assim, era a de tentar se ater ao máximo aos fatos. Foi um personagem que eu procurei fugir de qualquer lacuna que eu tivesse que preencher com algum tipo de intenção minha como ator. Onde tinha lacuna, eu tentava sair fora. Mas foi pesado e, graças a Deus, acabou.

Omelete: É muito interessante a contradição da solaridade que a Ângela traz, da leveza que ela é, com o que acontece com ela. Eu queria aproveitar para perguntar para você, Yara, como é trazer a Maria, que, ao mesmo tempo, é uma vítima, mas também, querendo ou não, ela cresceu com isso, então ela também traz essa mentalidade, né? Como você encontra o equilíbrio para trazer a personagem?

Yara: É, eu acho que o equilíbrio está exatamente no papel de mãe que ela tem, de mãe que ama essa filha e que conhece essa filha. Por mais que ela tenha colocado, de alguma forma, freios, ela sabe o poder da filha. Eu estava dizendo que um momento muito emocionante na gravação foi o último encontro delas. E aí eu me lembro de comentar com a Marjorie: “Cara, é a última vez que a Maria vai ver a Ângela.” E isso foi muito emocionante. Eu, como mulher, como mãe, saber que ela estava caminhando para a morte dela. 

Omelete: Camila e Renata, toda vez que tinha Lulu e Gilda, me dava um alívio de assistir. Eu falava: “Agora eu respiro.” Vocês também sentiam essa leveza nas cenas femininas?

Camila: Eu acho que a série é muito feliz numa construção de roteiro que não suscita o estereótipo clichê da rivalidade feminina. É muito acolhedor a gente ver isso, porque muitas vezes, você não compreender algo faz você ser meio reativo em relação a ela. Então, isso poderia gerar uns distanciamentos. Mas a série se coloca num lugar de encantamento, muitas vezes. Dessas mulheres vão se encantando pela presença da Ângela, pela companhia uma da outra. Então, mesmo quando elas brigam, é uma natureza muito humana e subjetiva delas, e não num olhar óbvio que a gente vê em muitas narrativas que colocam uma contra a outra. É uma série que usa a questão da amizade feminina no que a gente mais reconhece existir, porque são elas familiares, são lugares realmente de um suporte que a gente não encontra muitas vezes em outras relações e que muitas vezes são a nossa completude para além de relações amorosas. É, eu acho que tem um movimento bonito em relação às mulheres e às amizades, fala de uma inteligência emocional feminina que muitas vezes é subestimada.

Omelete: Depois do podcast, a gente tem um novo desafio na série, que é trazer essa a época dos anos 70 ali muito forte. Qual foi o maior desafio nisso?

Renata Brandão: Foi um trabalho da direção de arte, do Claudinho Amaral Peixoto, do figurino do Marcelo Pice… você vê que são eventos grandes, grandes festas, né? É nesse Rio de Janeiro pujante, que ela chega aqui, no final dos anos 70. A gente tentou ser muito responsável com toda essa reprodução, porque a gente precisava colocar a época ali muito claro, não só nos costumes e nos tratos sociais, mas também no que ela consumia, onde ela frequentava, na riqueza das fazendas, dos cavalos e, ao mesmo tempo também, na vida noturna. Então, um desafio de produção foi trazer essa vida e esses estímulos que ela tinha, de uma maneira muito verdadeira e ao mesmo tempo responsável também.

Renata Rezende: É, ela transitava numa alta sociedade, num ambiente rico, né? Então, assim, era uma reprodução de época cara, no sentido de você fazer acreditar. 

Omelete: Emílio, você falou que você precisou tirar os seus preconceitos, os seus julgamentos para interpretar o Doca, mas queria entender também um pouco como foi a sua pesquisa para o personagem. Eu sei que alguns atores preferem se manter ao que está no roteiro. Mas você chegou a ler, fez alguma outra preparação para entrar no Doca?

Emílio: Não. Não, porque o período que o Doca conviveu com a Ângela foi muito curto, eram três meses. Então, o que importava dele ali era essa interferência dele na vida dela durante esse curtíssimo período. E o que mais estava evidente ali era essa coisa do “eu quero”, do “é meu”, da posse. Eram sentimentos muito, muito claros e muito fáceis de se reproduzir por conta de todos os exemplos que a gente tem aí até hoje. Então, o máximo que eu fiz foi buscar o material, o pouquíssimo material que se tem acesso, algumas coisas assim, de maneirismo, de trejeito, né? Tipo, o, o tribunal, a gente tem algumas imagens dele, e tinha essa coisa dele estar sempre com uma postura que provavelmente foi ensaiada junto com o advogado dele estar ali de cabeça baixa. Com uma coisa de mea culpa e nervosismo. Então, algumas coisas simbólicas de material de pesquisa que a gente teve acesso, eu utilizei para chegar nele.

Omelete: A maternidade foi uma coisa que me pegou muito forte assistindo à série. Então, eu queria perguntar também para vocês duas, nesse sentido, como vocês acham que a maternidade, talvez, reforce ali esse papel da Ângela, de novo, como condenada em todas as instâncias?

Marjorie: Eu acho que a maternidade foi um elemento importante da gente discutir na construção da narrativa dessa mulher, né? Porque o julgamento que ela vive na história é justamente o de que não é possível ser uma boa mãe se você é uma mulher livre e que vai a festas, que bebe, que transa, que tem namorados, assim. E isso é uma realidade, o “tirar a guarda”, usar os filhos para atingir a mulher é muito comum, né? Ainda está em transformação o homem assumir a paternidade enquanto algo próximo, compartilhado. Foi recentemente que aumentaram a licença paternidade. Então era um ponto bem relevante.



Caio Rocha

Sou Caio Rocha, redator especializado em Tecnologia da Informação, com formação em Ciência da Computação. Escrevo sobre inovação, segurança digital, software e tendências do setor. Minha missão é traduzir o universo tech em uma linguagem acessível, ajudando pessoas e empresas a entenderem e aproveitarem o poder da tecnologia no dia a dia.

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