Campeão argentino recebe menos que vencedor da Série B no Brasil
Brasil e Argentina seguem dividindo a prateleira mais alta da Copa Libertadores quando o assunto é tradição, mas a semelhança termina no passado. Dentro e fora de campo, a distância entre os dois principais mercados do futebol sul-americano nunca foi tão evidente.
Um dos retratos mais claros dessa diferença está nas premiações nacionais: hoje, o campeão argentino recebe menos dinheiro do que o vencedor da Série B do Brasileirão.
Na temporada atual, o futebol brasileiro igualou o número de títulos da Argentina na Libertadores. O equilíbrio histórico, porém, não resiste a uma análise recente. Desde 2019, apenas clubes brasileiros levantaram a taça continental. Nas últimas sete edições, dos 14 finalistas, somente dois eram argentinos: o River Plate, em 2019, e o Boca Juniors, em 2023. O domínio virou rotina, e os números ajudam a explicar por quê.
Para especialistas em gestão esportiva, a diferença técnica vista em campo é consequência direta de um abismo financeiro que se ampliou ao longo da última década.
“O Brasil, nos últimos sete anos, passou a dominar a Libertadores porque esse cenário combina o declínio econômico do futebol argentino, que não se modernizou em termos de estratégia financeira, captação de recursos, comercialização de direitos e estruturação dos clubes; e a ascensão de vários clubes brasileiros, impulsionada por mais público nos estádios, maior venda de patrocínios e melhor negociação dos direitos. No futebol nada é definitivo, mas há uma tendência de que os grandes clubes do Brasil, bem organizados e financeiramente estruturados, sigam ampliando esse domínio nos próximos anos. A grande diferença no futebol brasileiro não está entre SAFs e clubes associativos, mas entre instituições bem geridas e mal geridas”, afirma Guilherme Bellintani, ex-presidente do Bahia e atual CEO da Squadra Sports.
A disparidade aparece com clareza nos contratos de patrocínio. O Flamengo, atual campeão da Libertadores, supera os R$ 260 milhões anuais em patrocínios. O Palmeiras, vice, gira em torno de R$ 110 milhões por ano. Ambos têm acordos com casas de apostas. Já o River Plate, maior potência argentina da atualidade, fechou contrato com o mesmo patrocinador do clube carioca recebendo cerca de R$ 40 milhões anuais, quase sete vezes menos.
“Quando analisamos a discrepância entre os valores oferecidos pelos torneios brasileiros e os praticados na Argentina, fica evidente que não se trata apenas de uma diferença pontual de premiação, mas de um contraste estrutural entre dois ecossistemas esportivos. No Brasil, a maior capacidade de geração de receitas impulsionada por direitos de transmissão, patrocínios e um mercado interno significativamente maior cria um cenário em que os clubes conseguem operar em outro patamar de investimento. Além disso, o advento da lei da SAF, que abriu um novo horizonte de investimento, ampliou ainda mais esse fosso entre os mercados”, explica Moises Assayag, sócio-diretor da Channel Associados e especialista em finanças no esporte.
O contraste se torna ainda mais evidente quando se observam as premiações das ligas nacionais. Com base nos valores de 2024, o campeão brasileiro deve receber cerca de R$ 50 milhões pelo título. O vencedor da Copa do Brasil embolsa ainda mais, aproximadamente R$ 78 milhões, somando as cotas recebidas ao longo das fases do torneio.
Na Argentina, a realidade é outra. O Vélez Sarsfield, campeão nacional em 2024, recebeu apenas US$ 500 mil, algo em torno de R$ 2,8 milhões na cotação atual. O campeão da Copa Argentina, o Independiente Rivadavia, ficou com cerca de US$ 170 mil, aproximadamente R$ 920 mil. Valores que parecem modestos até para padrões de segunda divisão no Brasil.
Para efeito de comparação, o Coritiba, campeão da Série B do Brasileirão, recebeu cerca de R$ 3,5 milhões. Já o Internacional, último clube a escapar do rebaixamento na Série A, deve faturar algo próximo de R$ 17 milhões apenas em premiação.
A insatisfação com esse cenário já aparece publicamente entre dirigentes argentinos. Recentemente, ao conquistar a Liga Argentina, o Estudiantes recebeu os mesmos US$ 500 mil. Na ocasião, o presidente do clube, Juan Sebastián Verón, fez um comentário que repercutiu nas redes sociais. “E aqui entre o Torneio dos Campeões do Mundo e a Copa Argentina, nem cobre os custos de ônibus para os torcedores… Mas o clube pertence aos sócios”, escreveu.
Entre premiações simbólicas e cofres cada vez mais vazios, o futebol argentino vê seus principais clubes perderem competitividade.



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