Como a Lógica dos Algoritmos Influenciou a Dramaturgia Brasileira
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O formato dos microdramas e novelas verticais, caracterizado por histórias rápidas, deixou de ser uma curiosidade das redes sociais e começa a se estabelecer como um novo braço da dramaturgia nacional. Impulsionado por um país intensamente conectado e por plataformas onde o mobile domina, o Brasil vê uma convergência rara: tradição em narrativa, mudança de comportamento e investimentos crescentes. E, agora, o movimento ganha mais força com o lançamento recente da novela vertical “Tudo Por Uma Segunda Chance”.
Cada episódio tem 2 a 3 minutos de duração, permitindo que a narrativa seja direta, intensa e repleta de ganchos a cada cena. O formato exige uma construção diferente da novela tradicional: o clímax precisa aparecer cedo, a história se desenvolve de forma contínua e cada episódio termina com tensão suficiente para prender o público e incentivá-lo a seguir para o próximo capítulo. Essa abordagem transforma o espectador em um participante ativo, engajado minuto a minuto, enquanto a produção mantém ritmo acelerado, estética mobile-friendly e storytelling pensado para telas pequenas.
O lançamento da Globo ocorre em um contexto em que o consumo de vídeo vertical domina o comportamento do público brasileiro. No TikTok, por exemplo, mais de 90 milhões de adultos ativos assistem a vídeos curtos diariamente, refletindo o hábito natural de consumir conteúdo rápido e contínuo, sem girar a tela ou pausar longas sequências.
Claudine Bayma, diretora geral do Kwai no Brasil, plataforma pioneira no formato, afirma que “o crescimento desse formato como uma evolução natural do comportamento do público que é apaixonado por dramaturgia e que cada vez mais consome conteúdo de maneira rápida e mobile. Lançado em 2022, o projeto do TeleKwai concentra atualmente cerca de 20% de todo o investimento da plataforma no país e já acumula dezenas de bilhões de visualizações – 60 bilhões somente entre 2023 e 2024 – e diversas campanhas para marcas utilizando esse formato. Isso mostra que as mininovelas deixaram de ser experimento para se tornarem um pilar estratégico de entretenimento, com enorme potencial criativo e comercial.”
Para Ronaldo Martins, especialista em narrativa e conteúdo digital, o formato vertical é um reflexo direto do hábito atual de consumo. “O vertical é atrativo porque acompanha o hábito: 90% do tempo de tela no celular acontece em 9:16. A vantagem é imediata, não há atrito para consumir.” Ele ressalta que o formato exige uma lógica própria: “Não basta ‘recortar’ o conteúdo tradicional: é preciso escrever para prender a atenção o tempo todo. A lógica aqui é menos ‘barriga pra contar história’ e mais ‘cliffhanger a cada minuto’.”
A entrada da Globo nesse território ganha novo impulso na CCXP25. Entre os destaques apresentados pelo Globoplay no palco Thunder está “Cinderela e o Segredo do Pobre Milionário”, uma das próximas estreias do streaming e mais uma aposta direta no formato de narrativa curta e pensada para telas verticais. A exibição ao lado de títulos como Jogada de Risco, Poderosas do Cerrado e Emergência 53 evidencia que as novelas verticais passam a dividir espaço com grandes lançamentos de dramaturgia tradicional.
Para Ronaldo Martins, a representatividade da Globo tem efeito imediato no mercado. “A Globo é uma fábrica de dramaturgia e referência cultural no Brasil. Quando ela entra, não valida apenas o formato — ela sinaliza ao mercado publicitário, aos atores e ao público que a tendência deixou de ser nicho e virou mainstream.”
Essa virada acompanha o ambiente digital brasileiro: 183 milhões de pessoas conectadas, 144 milhões de perfis ativos, e 91,7 milhões de adultos no TikTok, segundo dados de 2025. É um cenário ideal para formatos curtos, distribuídos nativamente em plataformas sociais, onde a atenção é disputada segundo a segundo.
O movimento também se reflete em players como Kwai — com o TeleKwai — e em produções independentes feitas para web e voltadas ao storytelling vertical. “As novelas verticais abrem a chance de praticar algo que o mercado vem pregando há anos: não interromper, mas fazer parte da experiência”, diz Martins. Para ele, o maior desafio é manter autenticidade: “O verdadeiro desafio para as marcas não é produzir o formato em si, e sim inserir sua mensagem dentro da trama de forma natural.”



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