especialistas veem riscos no uso do produto para defesa pessoal, liberado por lei no Estado do Rio
Agora o spray de extratos vegetais — pimenta ou gengibre — pode ser usado como instrumento não letal de legítima defesa por mulheres no Estado do Rio. A medida entrou em vigor ontem com a publicação da Lei 11.025 no Diário Oficial. A justificativa apresentada pelos deputados autores do projeto defende o dispositivo como ferramenta prática e proporcional de autoproteção em um cenário de violência crescente. Especialistas, porém, apontam riscos e afirmam que não é adequado seu uso contra criminosos portando armas de fogo ou facas. Um exemplo disso foi a morte, no início deste mês, da universitária Beatriz Munhos, em São Paulo, baleada após reagir a um assalto borrifando spray de pimenta no criminoso.
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Com a lei, o Rio se tornou o primeiro estado brasileiro a autorizar o uso do spray por civis. O produto provoca incapacidade temporária. Ao entrar em contato com o rosto da pessoa, causa irritabilidade nos olhos e dificuldade de respiração. A sensação de ardência pode superar 30 minutos.
Em 1º de novembro, ao ser abordada por criminosos quando estava no carro com seu pai e seu namorado, Beatriz Munhos, de 20 anos, reagiu borrifando spray de pimenta num dos criminosos, que atirou na cabeça da jovem. Ela morreu no local. No último dia 18, o suspeito do homicídio foi preso no interior da Bahia, para onde havia fugido. Segundo a polícia, ele admitiu que disparou “no susto” após o uso do spray.
A promotora Fabíola Sucasas, do núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher do Ministério Público de São Paulo, disse ao RJ2, da TV Globo, que a lei do Rio transfere às mulheres o que seria de responsabilidade do Estado. Ela alerta também que o uso do equipamento pode agravar situações de risco.
— O que percebemos na nossa rotina de atendimento é que geralmente os homens usam o argumento de que a mulher provocou e que ele agiu em legítima defesa. É possível até que essa legislação se reverta num argumento que venha culpabilizar aquela mulher ou afastar a responsabilidade do agressor. É evidente que o uso desse tipo de artefato as coloca em situação de maior risco — disse ela.
Michele da Rosa Monsore, presidente da Comissão de Enfrentamento Contra a Violência de Gênero na OAB-RJ em Bangu, na Zona Oeste do Rio, também afirma que a responsabilidade pela segurança não pode recair sobre a mulher. Ela ainda vê riscos no uso do produto, mas se for de maneira inadequada:
— Eu acredito que seja mais uma forma de proteção disponível. O problema que vejo é sobre o uso inadequado. Não saber manusear, por exemplo, no momento de estresse e a vítima acabar se machucando ou, até mesmo, irritar o agressor ao ponto de ele potencializar a violência. Se houver uma orientação para ensinar a usar, acho válido, mas o uso e o porte, sem orientação, são complicados.
Para Paulo Roberto Oliveira, especialista em Segurança Pública e coronel da reserva da PM do Distrito Federal, o uso do spray de pimenta por mulheres é uma medida que requer atenção.
— A medida em si não é ruim, mas será necessário um processo de ampla divulgação de como usar, quando usar, contra quem pode ser usado. Entendo que, em determinados casos, como em importunação sexual, o spray pode ser útil, mas usar contra uma pessoa portando arma de fogo ou faca já não é adequado. Os próprios protocolos policiais desencorajam — afirma ele. — Espero que realmente exista controle efetivo na comercialização. Há previsão de que adolescentes a partir dos 16 anos possam utilizá-lo também, então, imagino a possibilidade do uso dele no ambiente escolar.
Os autores do projeto afirmam que, apesar de políticas públicas e leis específicas, muitas mulheres “seguem desamparadas diante da escalada da violência”, e que o poder público não consegue estar presente em todos os locais onde o risco se manifesta. Para os deputados, o spray de extratos vegetais representa um meio proporcional, que não ameaça a vida do agressor, mas garante à mulher condições reais de preservar a sua.
O governador Cláudio Castro, que sancionou ontem a lei, disse que a medida aumenta a segurança das mulheres.
— Com essa lei, estamos ampliando as medidas do governo do estado que contribuem para aumentar a segurança e a proteção das mulheres em todo o território fluminense. Aproveito para aplaudir a iniciativa das deputadas e dos deputados, que tiveram sensibilidade e atenção com esse tema — declarou.
Assinam o projeto a deputada Sarah Poncio (PL), autora da proposta, e os deputados Rodrigo Amorim (União), Tia Ju (REP), Guilherme Delaroli (PL), Dionísio Lins (PP) e Marcelo Dino (União). A nova lei estabelece critérios para aquisição e porte do spray de extratos vegetais: a venda é restrita a maiores de 18 anos, mediante apresentação de documento com foto; não é necessária receita médica; o limite de compra é de até duas unidades por pessoa por mês.
Além disso, o produto deve ser vendido exclusivamente em estabelecimentos farmacêuticos. Jovens de 16 e 17 anos também poderão adquirir e portar o spray, desde que com autorização formal dos responsáveis. O governo também poderá fornecer gratuitamente o spray para mulheres vítimas de violência doméstica que tenham medida protetiva em vigor.
O spray destinado ao público deve vir em frascos de até 70 gramas — recipientes com mais de 50ml contendo spray vegetal, gás de pimenta ou gás OC são considerados de uso restrito de forças de segurança. O produto deve ter concentração máxima de 20%.
Em lojas on-line, há diferentes versões de spray de defesa — incluindo os de extratos de gengibre e outras substâncias irritantes — por preços que variam entre R$ 100 e R$ 150.
Para a deputada Sarah Poncio, o dispositivo oferece uma resposta imediata em situações de vulnerabilidade:
— O spray garante à mulher um meio real de defesa quando ela está sozinha e exposta ao risco. É uma medida que reduz vulnerabilidades e pode impedir agressões, importunação e violência.



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