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Marcelo D2: “Ela salvou a minha vida”

Marcelo D2: “Ela salvou a minha vida”

O clima é de festa de despedida. Após trinta anos de muita fumaça, o Planet Hemp, um dos nomes mais importantes do rap brasileiro, faz seu último show na Fundição Progresso neste sábado (13). A banda formada por Marcelo D2, BNegão, Formigão, Nobru, Pedro Garcia e Daniel Ganjaman anunciou o fim em junho deste ano e, desde então, saiu pelo Brasil com a turnê A Última Ponta.

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“O Planet requer uma capacidade de confronto que talvez a idade não permita mais. Já estou com 58 anos e quero lutar com outras armas”, diz o carioca, morador do Flamengo. De Legalize Já a Mantenha o Respeito, o repertório passeia por toda a discografia do grupo, conhecido pelas letras combativas e a postura antissistema.

Pouco antes da derradeira apresentação na Cidade Maravilhosa, onde tudo começou, D2 conversou com VEJA RIO sobre o seu legado e o sucesso da Ocupação Iboru, espaço cultural administrado por ele e a esposa, Luiza Machado, no Centro.

Por que sentiu que devia encerrar este ciclo? Já tínhamos parado no início dos anos 2000, mas sabíamos que a nossa história não tinha se encerrado. Quando voltamos, em 2012, fizemos a promessa de que a nossa amizade estaria sempre acima da banda. Então, tomamos essa decisão.

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A relação começou a mostrar desgaste? Não, pelo contrário. Estamos num momento bom e queremos manter assim. Fizemos tudo o que queríamos ter feito — inclusive, quando um grupo como o nosso ganha o Grammy, como aconteceu em 2023, algo está errado (risos). O Planet requer uma capacidade de confronto que talvez a idade não permita mais. Já estou com 58 anos e quero lutar com outras armas. Levei um ano para contar minha decisão a eles, mas todos concordaram que era hora. Nosso maior medo é virar cover de nós mesmos.

Não pensam em se reunir no futuro? A palavra pode não valer muito hoje, mas para a gente não é assim. Pensamos que poderia ser um hiato, mas a decisão foi radical até por respeito ao público: se anunciamos o fim, é mesmo o fim. Optamos por um ato final e vivemos os meses de turnê intensamente. É o último manifesto, junto com um documentário e um livro de fotografias que serão lançados.

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O que o público pode esperar da última noite do Planet Hemp? Será puro caos. Nossas apresentações são catárticas e voltar para a Lapa, onde tudo começou, vai ser muita nostalgia.

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Qual o maior legado do grupo? Nossa coragem. Éramos cinco jovens sem perspectiva, em uma cidade violenta, e olha tudo o que a gente fez. Somos uma banda underground que passou a habitar o mainstream falando sobre maconha pouco tempo depois da ditadura militar. Travamos uma luta pela liberdade de expressão bem diferente daquela que a extrema-direita diz querer ter.

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Conta a história mais doida que viveram juntos? É para a VEJA essa entrevista, né? Não posso contar, vou acabar sendo preso (risos). Das publicáveis, com certeza são as nossas andanças por esse Brasil de coronéis. Até hoje, com essa turnê, tivemos problemas com a Justiça. Sem falar que já fomos presos e passamos oito dias na cadeia.

Viu o público mudar muito ao longo dos anos? Ter parado por uma década nos transformou quase numa lenda, daí a nova geração — que não teve uma cena de hardcore forte — ficou querendo ver os nossos shows. Mas também tivemos fãs antigos na turnê, que passaram mal porque não estavam mais acostumados a fumar tanta maconha. Somos gratos a todos eles.

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Estamos andando em círculos quando o assunto é a descriminalização dessa droga? Fomos o último país a adotar o ensino público na América Latina; o último também a acabar com a escravidão. O medo vende — da maconha, do comunismo… Quase todas as nações no nosso entorno são legalizadas, cada uma do seu jeito, bem como a América Central, o Canadá e a maior parte dos Estados Unidos. O Brasil caminha junto com a Rússia e o Iraque.

Se fosse regulamentado, qual seria o primeiro impacto? A diminuição da violência. Seria imprescindível uma reparação com os jovens, em sua maioria pretos e favelados, que estão encarcerados por causa de maconha. Mas a maior chance é virar um negócio que vai favorecer os ricos, cair na mão do agro e ser uma legalização em prol do capitalismo.

Você tem uma boa relação com os seus filhos, ainda que a sua com os seus pais tenha sido conflituosa. Como se deu essa virada? Não precisa passar pano, eu dei muito trabalho (risos). Quando as 121 pessoas morreram durante a megaoperação na Maré e no Alemão, pensei sobre o que aconteceu comigo. Aos 14 anos, morava no Andaraí e só fazia coisa errada, então minha mãe me mandou morar com meu pai. Na época, me senti rejeitado, mas hoje entendo que ela salvou a minha vida. Minha família foi desestruturada, mas sempre me deu o melhor possível.

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A popularização do rap é uma evolução ou um esvaziamento? Com toda a globalização, era inevitável que o gênero ganhasse espaço. Quando ele passa a ser consumido dentro do sistema, deixa de ser um movimento de contracultura. O rap que está no mainstream não é o mesmo do início. Não quer dizer que é ruim, mas é outra parada.

Foi o que motivou sua transição para o samba? Não, isso já tem vinte anos. Tenho rap no meu sangue porque cresci nesse universo, mas, ao mesmo tempo, sou carioca e vivia nas rodas do subúrbio. Faço uma música do Rio de Janeiro e não preciso me enquadrar numa classificação; os outros é que têm necessidade disso.

Como vê as transformações no Centro do Rio? Fico feliz de fazer parte deste levante. Quando fui para lá, não rolava quase nada. Ainda tem muito o que melhorar no quesito de segurança, mas esse é um problema da cidade inteira. Estar em uma ocupação com um projeto de samba, de frente para lugares de origem, como o Cais do Valongo, é um privilégio.

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Caio Rocha

Sou Caio Rocha, redator especializado em Tecnologia da Informação, com formação em Ciência da Computação. Escrevo sobre inovação, segurança digital, software e tendências do setor. Minha missão é traduzir o universo tech em uma linguagem acessível, ajudando pessoas e empresas a entenderem e aproveitarem o poder da tecnologia no dia a dia.

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