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Por que a Bolsa subiu com o freio no PIB do Brasil?

Por que a Bolsa subiu com o freio no PIB do Brasil?

A economia brasileira freou de vez no terceiro trimestre deste ano, apontou ontem o IBGE. Entre julho e setembro, a demanda, principalmente o consumo das famílias, esfriou, e o Produto Interno Bruto (PIB, soma do valor de todos os bens e serviços produzidos pelo país) cresceu apenas 0,1% sobre o segundo trimestre, informou ontem o IBGE. É um ritmo bem abaixo do 1,5% do primeiro trimestre do ano, por exemplo.

Mesmo com dados indicando desaceleração da atividade econômica no país, a Bolsa de São Paulo, a B3, registrou ontem um novo recorde. É o 31º do ano. Desde janeiro, o Ibovespa, principal índice da B3, acumula alta de 36%. Ontem, o índice terminou o dia com valorização de 1,68%, aos 164.468 pontos, o mais alto da série histórica.

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A nova máxima foi motivada, de acordo com analistas, pela perspectiva de recuo dos juros no Brasil em breve, na interpretação de investidores. O movimento foi acelerado por conta dos dados do Produto Interno Bruto (PIB) do 3º trimestre, que foi divulgado nesta quinta-feira, e mostrou perda de tração da atividade econômica por conta da taxa básica de juros (Selic) restritiva, atualmente em 15% ao ano.

Indicadores da Bolsa brasileira — Foto: Criação O Globo

O Brasil terminará o ano fora do grupo das dez maiores economias do mundo. Ultrapassado pela Rússia, o país cairá para o 11º lugar no ranking, segundo projeções do FMI citadas em relatório da agência de classificação de risco Austin Rating.

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A perda de posições já estava projetada desde antes da divulgação dos dados, e os cálculos levam em conta tanto o desempenho do PIB quanto a tendência para a taxa de câmbio dos países. O fortalecimento do rublo impulsionou a Rússia. Nas projeções de longo prazo do FMI, o Brasil seguirá em 11º lugar até 2030.

O raciocínio que explica a alta da Bolsa neste contexto é o de que a menor atividade econômica representa menor risco inflacionário, o que abre espaço para o Banco Central (BC) reduzir os juros, sua principal arma contra o controle de preços.

Corrida dos PIBs, ranking das maiores economias do mundo, segundo o FMI. — Foto: Editoria de Arte
Corrida dos PIBs, ranking das maiores economias do mundo, segundo o FMI. — Foto: Editoria de Arte

Juros mais baixos tendem a melhorar os resultados das companhias listadas na Bolsa e aumentam o interesse dos investidores por ações, contribuindo para sua valorização, diante da perspectiva de ganhos mais modestos em papéis de renda fixa, como os atrelados à Selic.

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— Um corte de juros tem diversos efeitos na Bolsa. O primeiro deles, mais direto, é que Bolsa é lucro. É natural que as empresas possuam endividamento. Se, nos próximos doze meses não tiver nenhum corte de gastos, e ela manter o que ela gera de receita hoje, o simples fato de reduzir juros significa que elas têm menos custos com a dívida, sobrando mais dinheiro para investimento, diminuir alavancagem, e sobre mais dinheiro para distribuir para o acionista — afirma Filipe Villegas, estrategista de ações da Genial Investimentos.

Diante da política de juros restritiva do BC, a freada no PIB já era esperada — projeções de analistas do mercado financeiro apontavam crescimento de 0,2%, segundo pesquisa do jornal Valor. Para conter a inflação, o BC subiu a taxa básica de juros (Selic) entre setembro de 2024 e junho último, de 10,5% ao ano para 15% ao ano, o maior nível em quase 20 anos, no qual segue desde então.

Com isso, apesar dos recordes sucessivos de baixa no desemprego, o consumo das famílias avançou só 0,1% em relação ao segundo trimestre. Sobre igual período de 2024, a alta de 0,4% veio abaixo do segundo trimestre (1,8%) e no primeiro (2,2%). Foi o pior desempenho desde 2021 nessa comparação.

Claudia Dionisio, analista do IBGE, afirmou que “a política monetária contracionista, com certeza, está contribuindo para esse freio”. O Ministério da Fazenda avaliou, em nota, que “a desaceleração do consumo está associada ao desaquecimento dos mercados de trabalho e crédito no terceiro trimestre, em resposta aos impactos defasados” dos juros.

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Superaquecimento ficou para trás, diz analista

Segundo Bráulio Borges, economista da consultoria LCA e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia do FGV Ibre, o movimento foi reforçado por uma queda nas despesas dos governos, no agregado de todas as esferas, na primeira metade do ano, ajudando a esfriar a economia.

— A boa notícia é que a gente vinha apontando, há algum tempo, que a economia estava superaquecida, ou seja, o PIB estava crescendo pouco acima do potencial. Nessa situação, a atividade pressiona a inflação e gera a deterioração das contas externas. Isso mudou. No terceiro trimestre, nas minhas estimativas, a economia deixou de ser caracterizada por esse quadro de superaquecimento — disse Borges.

A dúvida agora é quando o esfriamento terá sido suficiente para que os juros comecem a cair. Para Borges, já seria a hora, mas uma série de fatores poderá reaquecer a demanda ao longo de 2026 — a ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil ao mês e a disposição dos governos estaduais de gastarem mais em ano de eleições gerais. Isso poderá limitar o ciclo de corte na Selic, esperado para começar em janeiro ou março.

Selic não cai tão cedo assim

De acordo com o ex-diretor do BC José Júlio Senna, a freada do terceiro trimestre não mudará as próximas decisões sobre a Selic. A variável mais importante é a projeção de inflação, nos modelos da autoridade monetária, para daqui a cerca de um ano e meio, o chamado “horizonte relevante” da política de juros, que considera o tempo que leva para os movimentos na Selic afetarem a economia.

— A projeção reúne a atividade econômica, as cotações de commodities, o câmbio, as expectativas de inflação, tudo — disse Senna, que é chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV Ibre e consultor da 4intelligence.

Quando se considera a trajetória de recuo da taxa básica até fins de 2026, o modelo ainda sugere inflação acima da meta de 3% ao ano, segundo comunicados do BC. No cenário em que a Selic permanece como está, a inflação cede até a meta, segundo cálculos da 4intelligence, um passo para começar a cortar, mas “é preciso ter um grau de confiança elevado de que vai ser possível preservar essa situação”, ponderou Senna:

— Talvez fizesse mais sentido deixar para reduzir o juro em março, caso a situação permaneça favorável, levando em conta o que vem pela frente para reaquecer a demanda.

A perda de fôlego do consumo fez a demanda doméstica como um todo frear, apesar dos resultados positivos dos investimentos (alta de 0,9% em relação ao segundo trimestre) e do consumo do governo (avanço de 1,3%). Segundo o IBGE, a desaceleração da economia só não foi maior porque a demanda externa deu sustentação.

Apesar do tarifaço dos Estados Unidos sobre as exportações brasileiras, as vendas externas de bens e serviços cresceram 3,3% no terceiro trimestre. As importações, por sua vez, avançaram 0,3% — sempre que as exportações têm desempenho superior às importações, a contribuição da demanda externa para o PIB é positiva.

Segundo Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, o efeito do tarifaço foi pequeno porque exportadores redirecionaram suas vendas para outros países e a China ampliou as compras de matérias-primas, como soja e petróleo.

Agro e indústria extrativa se destacam

A demanda externa se refletiu na composição do desempenho dos setores pela ótica da produção. No geral, a agropecuária cresceu 0,4% ante o segundo trimestre, a indústria avançou 0,8%, e os serviços ficaram praticamente estáveis, com variação de 0,1% — reagindo ao enfraquecimento da demanda das famílias.

Os destaques positivos foram dois setores voltados para as exportações, a agropecuária e a indústria extrativa, que inclui a produção de petróleo e gás e minerais. Segundo o IBGE, os dois setores foram responsáveis por mais da metade do crescimento de 1,8% do PIB agregado na comparação com o terceiro trimestre de 2024.

A agropecuária saltou 10,1% sobre o terceiro trimestre de 2024. A indústria extrativa saltou 11,9% sobre um ano antes.

Bolsa vai continuar subindo?

Enquanto a economia brasileira desacelera e abre espaço para o afrouxamento da política monetária do BC, o movimento de valorização da Bolsa deve seguir, avalia o banco americano JP Morgan. Em relatório, o banco vê o Ibovespa podendo alcançar os 230 mil pontos no fim do ano que vem diante do chamado “bull market”, isto é, se “expectativas positivas” forem alcançadas.

Para o banco americano, “houve um aumento nas discussões sobre as perspectivas eleitorais, enquanto a inflação se estabilizou, levando a uma reprecificação para baixo das expectativas de juros”, diz trecho.

Para além da flexibilização, o JP Morgan aponta como fatores positivo a possibilidade de mudanças políticas que “permitam reformas estruturais que levem a maior crescimento”, além da “diversificação da alocação” do investidor estrangeiro que deve acelerar, “impulsionada por uma visão estruturalmente otimista para mercados emergentes”.

A estimativa do JP Morgan representa um avanço de 40% dos 164 mil pontos, que o índice alcançou nesta quinta-feira.

O que são os pontos do índice?

O Ibovespa é o principal termômetro do desempenho médio das ações mais negociadas e mais representativas da Bolsa. O índice é composto por uma carteira virtual, com 84 ações de 81 empresas brasileiras.

Só que elas são representadas por um certo peso, uma participação na composição que varia conforme sua representação de negociação na Bolsa brasileira. Há nesse conjunto papéis de companhias do setor financeiro, varejistas, de bebidas e alimentos e de commodities (como mineradoras e petrolíferas).

Quando o Ibovespa sobe, significa que as empresas que compõem o índice estão se valorizando, atraindo o interesse dos investidores. Essa valorização é medida em pontos, em que cada ponto equivale a R$ 1. A B3 realiza cálculos para entender qual é o valor do somatório daquela carteira de ações, que se torna o valor do índice.

Caio Rocha

Sou Caio Rocha, redator especializado em Tecnologia da Informação, com formação em Ciência da Computação. Escrevo sobre inovação, segurança digital, software e tendências do setor. Minha missão é traduzir o universo tech em uma linguagem acessível, ajudando pessoas e empresas a entenderem e aproveitarem o poder da tecnologia no dia a dia.

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